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Reação e revolução na América Latina: a união cívico-militar venezuelana

No mês de Outubro passado, quando explodiu a onda de manifestações no Chile, o presidente Sebastián Piñera fez um apelo aos militares, lançando mão da cláusula constitucional do «Estado de emergência».

Autor: Arnold August | internet@granma.cu

Maio, 2020

 

O povo venezuelano preparado, junto com a FANB, para defender a Revolução. Foto; Sputnik Foto: Granma

 

No mês de Outubro passado, quando explodiu a onda de manifestações no Chile, o presidente Sebastián Piñera fez um apelo aos militares, lançando mão da cláusula constitucional do «Estado de emergência». A imagem dos soldados na rua e a imposição do toque a recolher fizeram evocar imediatamente escuras recordações. Desde Outubro de 2019, a maior parte da sangrenta repressão foi aplicada pela polícia nacional, a que — em virtude do Estado de emergência — esteve sob o comando os comandantes militares de grandes cidades como Santiago ou Valparaíso.

Estas situações são estarrecedoras, não somente na América Latina, mas também em países como o Canadá, onde Pinochet também faz parte da memória colectiva transmitida de uma geração progressista que se opôs ao horror, à seguinte. Esta experiência é, ainda, atiçada pela memória de muitos canadianos e quebequenses de origem chilena que tiveram que fugir da ditadura de Pinochet.

Simultaneamente, na Colômbia, tal como no Chile, os levantes e as greves tiveram que enfrentar, directa ou indirectamente, as forças armadas.

No Brasil, a crescente resistência popular ao governo da direita de Bolsonaro foi omnipresente depois que este vencesse nas eleições de 2018, depois que seu contrário principal, Lula da Silva, fosse levado à prisão.

Na Bolívia, uma situação diferente, os Estados Unidos e seus aliados, respaldados pelos militares, fomentaram um golpe de Estado baseado na mentira de que as eleições de Evo tinham sido fraudulentas. É bem conhecido que os principais oficiais do exercito envolvidos no golpe de Estado foram treinados na Escola das Américas, nos Estados Unidos.

As experiências da Colômbia, Chile, Brasil, Argentina e a Bolívia, todas elas contrastam com a realidade venezuelana. De facto, estas se encontram em dois polos opostos: reacção e revolução. Não que os Estados Unidos não tenham tentado converter as forças armadas venezuelanas em uma tropa traidora. Esforçaram-se muito por converter os militares venezuelanos em uma réplica de suas contrapartes naqueles outros países onde domina a reacção, mas não tiveram sucesso.

Como explicar isso? Vamos comparar. Numa entrevista on line, Claude Morin, professor aposentado do Departamento de História da Universidade de Montreal, possivelmente o mais importante latino-americanista no Quebeque, afirmou que o exército colombiano é formado por soldados treinados na luta contra as guerrilhas, na morte de guerrilheiros e na execução de chacinas contra quaisquer das comunidades que pudessem estar inclinadas a ajudá-los. Os recrutados foram condicionados para realizar essas tarefas, quer dizer, ver as pessoas e os civis como uma ameaça. Os oficiais foram treinados com manuais da Escola das Américas dos Estados Unidos.

Em sua luta contra as guerrilhas, o exército desenvolveu laços com os grupos paramilitares e os contratou para que assassinassem. Sob o comando do ex-presidente Alvaro Uribe, o exército recebeu bonificações para assassinar camponeses, que após serem executados, foram vestidos como guerrilheiros (o escândalo dos «falsos positivos»). Esta «foi uma indústria da morte de má fé», conclui Morin.

Até 1973, o exército chileno foi considerado fiel à Constituição. Mas com a chegada da Unidade Popular, a oposição dos Estados Unidos ao socialismo democrático de Salvador Allende, e a polarização da sociedade chilena, fizeram com que o governo tomasse partido contra o Governo. Após um golpe de Estado, Pinochet estabeleceu um Governo militar radicalmente diferente. Os golpistas limparam o exército de todos aqueles oficiais e soldados que se opuseram ao golpe. Os actos seguintes de terrorismo de Estado deixaram mais de 3 mil mortos

O corpo dos oficiais chilenos sempre foi recrutado no seio das elites, enquanto os soldados vêm, geralmente, da classe operária. «Não sei, até que ponto, o exército poderia ter ajudado algum deles em sua ascensão no status social», afirma o professor Morin. «Mas, devido a que, segundo os sociólogos, o Chile é uma sociedade conservadora, acho que as forças armadas incutem nos soldados e nos recrutas da classe operária uma ideologia favorável às elites, a oligarquia e o status quo».

Passando à Argentina, Morin compara a ideologia da segurança nacional, predominante durante a «guerra suja» nesse país (1976-1984) com a da Colômbia. Oficiais de alta patente foram recrutados dentre a oligarquia. O anticomunismo foi o factor comum que manteve todas as facções juntas. «Os distúrbios na Argentina, durante a década de 60, as autoridades antiperonistas, uma sucessão de governos militares entre 1954 (a derrubada de Perón) e 1984 (o retorno do governo civil, com Alfonsín), e a «guerra suja» criaram um contexto de repressão de todos os protestos efetivos ou apreendidos contra a ordem estabelecida, que considerava os manifestantes como subversivos».

Como leitor da imprensa argentina, Morin conclui que, sob a presidência de Macri, os oficiais foram capazes de mostrar seu rosto, mais uma vez, agindo como um escudo permanente contra qualquer levante.

Quando do golpe no Brasil, o embaixador Gordon, dos Estados Unidos, incitou os militares brasileiros a seguirem esse caminho, e os golpistas foram tranquilizados com a presença nas costas de navios de guerra estadunidenses. «Tanto os Estados Unidos quanto os oficiais envolvidos estavam preocupados com as ligações de Goulart com Cuba, que inclusive havia condecorado Che Guevara com a ordem Cruzeiro do Sul. Novamente, aqui entra no palco o fantasma do anticomunismo».

Em um artigo escrito em 2003, Marta Harnecker assinala que os militares venezuelanos possuem sete sinais bem definidos que faziam com que estes não somente fossem diferentes dos escritos anteriormente, mas tudo o contrário. Tratava-se de um caldo de cultura para o chavismo.

Primeiro: Foram profundamente cultivados nas ideias e o pensamento de Simón Bolívar relativamente à soberania nacional e popular. Segundo: os militares no tempo de Chávez foram treinados na Academia Militar da Venezuela e não na Escola das Américas dos Estados Unidos.

Terceiro: as condições históricas eram diferentes. A insurgência guerrilheira não constituía um grande problema e, por conseguinte, muito menos era necessário o doutrinamento da ideologia da Guerra Fria «anticomunista». De fato, para quando a geração de Chávez entrou na Academia, em 1970, a actividade da guerrilha tinha sido arrancada até a raiz. Quarto: os militares venezuelanos não estavam controlados por uma casta militar da elite. Quito: em 1989, o levante popular conhecido como o Caracaço politizou muitos dos oficiais subalternos, tornando-os simpáticos de uma inclinação para a esquerda, contra a elite política.

Sexto: a década antes do Caracaço, caracterizada por um crescimento abrupto das desigualdades socioeconómicas, já tinha começado a radicalizar aqueles oficiais subalternos, E, sétimo: a proposta de Chávez de reestruturar as forças armadas, após ter sido eleito, em 1998, deu-lhe um novo propósito e um novo espaço para canalizar a frustração acumulada durante as décadas anteriores.

Estas características permitiram criar sólidos alicerces na consolidação da união cívico-militar venezuelana, para poder derrotar as tentativas permanentes de golpe de Estado lideradas pelos Estados Unidos, desde Janeiro de 2019 até a data, confirmando assim a revolução contra a reacção, não somente na Venezuela, mas também em toda a região.

 

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