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De Benny grandeza e certezas

Desde que nasceu, Benny Moré mostrou que carregava a música dentro, só precisava acordá-la

Autor: Pedro de la Hoz | pedro@granma.cu

Setembro, 2019

Foto: Arquivo do Granma

 

Da dança ao sentimento puro, sempre percorreu como se fosse por uma passagem natural.

Desde que nasceu, Bartolomé Maximiliano Moré recebeu o que devia: a herança africana dos seus antepassados nas proximidades do cassino dos Congos, em Santa Isabel de las Lajas, a força radiante das pessoas humildes, a ética daqueles que não têm nada a perder. Teve a sorte de sobreviver, porque quantos como ele não se perderam numa Cuba onde ser camponês, negro e pobre era a última carta do baralho. Ele carregava a música dentro, só precisava fazê-la acordar.

Idas e vindas pela Ilha em busca de sustento, pouca escola, mas letras e números bem aprendidos. Empilhador em Vertientes, Camaguey, e absorvido praticante do tres e do violão. Viver da música? Era necessário experimentá-lo, o grupinho de Camaguey dos inícios não dava mais; Havana, terra prometida. Bartolo foi testando aqui e ali na capital, de bar em bar, e muito boteco para matar a fome, e alguns grupos mais fugazes do que o amor então cantado, até Mozo Borgellá deu uma mão e para si mesmo, pois essa era a melhor voz que poderia assinar o septeto Cauto. E do septeto de Cauto ao grupo de Miguel Matamoros. E com Matamoros para o México. Fim da pré-história e nascimento de um mito.

Em 21 de junho de 1945, Benny chegou ao Distrito Federal e permaneceu em terras mexicanas até o seu retorno à Ilha em 1952, quase sete anos decisivos no seu crescimento. Viajou com o grupo de Miguel Matamoros, que o incorporou ao grupo em 1944 para umas sessões de estudo nas instalações da RCA Victor, no cruzamento das ruas Monte e Prado, em Havana.

Enquanto chegou à Cidade do México, o céu de Benny abriu-se. Com Matamoros, apareceu na estação de rádio XEW de Azcárraga e incentivou as noites na boate Río Rosa. O contrato expirou alguns meses depois e os músicos seguiram o caminho de retorno; Benny decidiu ficar no México. Matamoros aconselhou-o: faça um nome, trabalhe e respeite os mexicanos, não beba muito – o último conselho o jovem não encaixou – e não dê as costas a quem o ajuda.

Mudou o seu nome, primeiro tentou chamar-se Homero, Bartolomé não, porque era difícil colá-lo no público, e o diminuto Bartolo nem pensar: assim chamavam no México aos burros. Benny parecia bom, como o jazzista americano Benny Goodman. Benny Moré nascia pela segunda vez.

Assim, foi inserido na vida musical mexicana. O grande impulso foi recebido de Humberto Cané, contrabaixista que liderava um grupo de som – em terras mexicanas falava-se sobre ritmos afro-antilhanos na época – que introduziu Benny na órbita de Mariano Rivera Conde, na época gerente da RCA Victor no México e arquiteto da ancoragem definitiva não tão distante do cubano com essa gravadora como artista exclusivo.

Com as orquestras de outros quatro grandes músicos cubanos, Benny entrou naquele tempo na preferência do público mexicano: Mariano Mercerón, Arturo Núñez, Rafael de Paz e, claro, Dámaso Pérez Prado. Embora outros antes e depois dele cantassem mambos, o mambo cantado nunca teve tanto tempero quanto na voz de Benny.

Em Cuba, uma data foi decisiva: 3 de agosto de 1953, a primeira apresentação da Banda Gigante na CMQ, com Cascabeles Candado. Um ano passou-se desde seu retorno à Ilha, para encontrar Mariano Mercerón em Santiago de Cuba, para coincidir com a orquestra em ascensão Aragón, para colaborar com outros colegas, entre eles o imenso Bebo Valdés, e para estar na primeira linha da banda de Ernesto Duarte.

Com a Banda Gigante, Benny delineou o ambiente rítmico, de timbre e harmónico que caracterizou as suas entregas, nas quais, além do discurso vocal, pesava um componente de performance. Porque Benny, génio e figura, era um personagem e tanto.

Isso o levou a conectar, como poucos artistas, em meados do século passado, com a sensibilidade popular, porém, não se limitando a uma formulação estreita, mas sempre avançando. Foi suficiente uma estrutura rítmica para levantar arranha-céus, o teste está nas suas obras, como Que bueno baila usted ou Se te cayó el tabaco, ou aquelas dedicadas a cidades de Cuba como Cienfuegos, Manzanillo ou Santa Isabel de las Lajas, ou tiradas de outros autores como Maracaibo Oriental (José Castañeda) e Elige tú, que canto yo (Joseíto Fernández).

Da dança ao sentimento puro, sempre viajou como se fosse por uma passagem natural. Não foi sozinho, como batizado, o Bárbaro do Ritmo, mas um dos mais tremendos boleristas já ouvidos. Como permanecer indiferente perante Mi amor fugazConocí la paz ou Dolor y Perdón, de sua autoria; Hoy como ayer, de Pedro Vega; Oh, vida, de Yáñez e Gómez; Alma libre, de Juan Bruno Tarrazas; ou Que te hace pensar, de Ricardito Pérez. Ou quando nos abriga de dueto com Pedro Vargas em Solamente una vez, de Agustín Lara.

E assim foi até o último dia. Também é hora de derrubar um mito, o do grande músico que não sabia música. Uma voz autorizada, a do dr. Jesús Gómez Cairo, expressou: «Benny Moré conhecia e dominava empiricamente, mas com extraordinária profundidade e riqueza, um conjunto de regras, recursos e procedimentos nos âmbitos do canto, da condução orquestral, elementos instrumentais suficientes, harmonização e formas de estruturar a composição das suas peças, às quais unia aquela enorme intuição criativa da qual era dotado congenitamente».

É necessário outro argumento para certificar a sua grandeza?

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