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Quando o Facebook censurou a Revolução Francesa

Facebook revela-se ser uma empresa privada que apoia o conservadorismo que ainda almeja a restauração

Autor: Mauricio Escuela | informacion@granmai.cu

julho 2019

A Liberdade guiando o povo, obra de Eugène Delacroix em 1830, preservada no Museu do Louvre, em Paris. 

Foto:Eugène Delacroix

 

No início de 2018, Jocelyn Fiorina, um director de teatro francês, usou o famoso quadro de Eugène Delacroix, A Liberdade guiando o povo, como um endosso de sua obra Disparos na rua Saint-Roch. Não era uma mensagem política per se, muito menos pornográfica, no entanto, a imagem da mulher com o peito no ar (que representa os ideais da Revolução Francesa), foi censurada pela rede social Facebook.

Muito choveu nas ruas de Paris desde 14 de julho de 1789, o que muitos apontam como o início de uma nova era. Tanto aconteceu depois, que nossa cultura histórica, às vezes, não sabe reconhecer suas origens, especialmente a partir da geração de conteúdos que releem aquele passado. Sobre a Revolução Francesa, foram escritos muitos livros, especialmente acerca daquela tarde, quando o governador Lunay da Bastilha abriu os portões da fortaleza e se rendeu.

Dizem que o rei, informado no palácio, perguntou se era uma revolta. «Não senhor, é uma revolução», disse-lhe um ministro. Até aquela data, o significado da palavra revolução estava ligado ao movimento das estrelas, nem mesmo a comoção vivida pela Inglaterra, em 1640, era considerada como tal; no entanto, como observou mais tarde o historiador Alexis de Tocqueville, a corrente revolucionária era uma força que precedia em séculos a tomada da Bastilha e que aconteceria para sempre, acompanhando o imaginário e o movimento da história.

+REVOLUÇÃO E RESTAURAÇÃO

Hanna Arendt no seu ensaio Condições e significado da revolução, enfatiza que os intelectuais revolucionários de 1789 em diante, até mesmo os estadunidenses que participaram em 1776 contra o Império Britânico, começariam a romper com a noção de «o novo» que, apesar deles trouxe a revolução. Nenhum deles, obcecados com a pureza da Deusa Razão, queria estar envolvido como o arquitecto de uma mudança que também trazia períodos de terror social generalizados, como o descrito por Victor Hugo em seu clássico O 93.

De acordo com aqueles intelectuais, na realidade a revolta queria levar de volta os tempos a uma era fundacional e idílica, que supostamente existiu, na qual «o cordeiro dormia ao lado do leão». De fato, para eles a revolução era nada além de uma restauração e, portanto, estava começando a admirar a orelha peluda do capital contra-revolucionário na visão desses primeiros historiadores burgueses, que temiam o barril de pólvora desencadeado por si mesmos, com a ajuda das pessoas desapropriadas e em desespero.

A partir daí, o burguês começará a validar o rei a quem cortou a cabeça, falará sobre a sua nobreza, bem como o espírito de padroeira e mãe de Maria Antonieta. É uma releitura da história que chega até hoje, na figura dos políticos do sistema, que comemoram 14 de julho, mas têm medo de manifestações juvenis que levantam as «três palavras malditas»: Igualdade, liberdade, fraternidade.

Acontece que, rapidamente, a nova ordem burguesa fez uso do imaginário feudal, passando assim a viver um novo «antigo regime» nas sociedades modernas. O obscurantismo burguês santificava, sobretudo, a propriedade privada e daí construiu sua noção de Estado, Direito e sociedade civil e, portanto, moralidade.

FACEBOOK E O VELHO REGIME

Mark Zuckerberg deve ter sido um estudante muito libertino, durante o seu tempo como um brilhante universitário, que fazia os primeiros testes daquela que depois foi a rede social mais extensa (e perigosa) da história. A julgar pela quantidade de anúncios insubstanciais que caem na censura, sob o rótulo de «pornografia», lemos certa obsessão pelos prazeres da carne, talvez por conhecê-los demais.

A verdade é que A Liberdade guiando o povo é um dos muitos posts que sofrem a voracidade medieval desenfreada, típica do antigo regime, por parte dos editores da rede social. A decisão restauradora do Facebook ficou evidente durante a troca de mensagens entre os editores e o diretor da peça. «Quando recorri a essa absurda decisão, os representantes da rede social assumiram essa censura e disseram que, mesmo em uma pintura do século 19, qualquer nudez é inadmissível…», disse Fiorina à imprensa. O post só foi desbloqueado, depois que o artista fez uma segunda versão do Photoshop, colocando a legenda «censurado pelo Facebook».

Alarme, e não é de admirar, que aqueles que monitoram o uso da plataforma mais utilizada em todo o mundo, não só não conheçam a imagem, mas o facto histórico e o seu significado.

REVOLUÇÃO E EROTISMO

Os choques de 1789 não só libertaram as forças produtivas e trouxeram um novo Estado de Direito, mas uma moral diferente, em que o corpo desempenhava um papel ativo, bem como a nudez daquelas partes que expressavam o mundano do homem e a mulher A maioria dos artistas, da Revolução Francesa, não apenas pintaria cenas dela, mas misturaram erotismo com a liberdade, quase como sinónimos.

Era a mudança histórica que a arte precisava para se livrar da censura medieval, o artista cria a partir do que sente e do que pensa, numa dinâmica revolucionária que também não foi vista com bons olhos nem pela crítica atual. Na verdade, ao longo do século 19 foram elogiados escolas e autores que hoje ninguém menciona, numa tentativa de restaurar a censura medieval, para reverter essa narrativa, a das artes, o que o antigo regime da burguesia evocava para aplacar o génio chamado por si mesma.

Não é de admirar, então, que o Facebook, uma empresa privada, apoio do conservadorismo que ainda almeja a restauração, censure Delacroix. Até agora, o desejo restaurador da rede social, que até mesmo bloqueou uma Vénus de Willendorf, uma escultura do Paleolítico. Sem dúvida, Facebook e Zuckerberg teriam sido excelentes plataformas não para a restauração, mas para a caça medieval às bruxas, o índice da Inquisição ou essa versão moderna da distopia totalitária, o romance 1984. E há ainda aqueles que categorizam a rede social e seus editores de revolucionários.

 

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